sexta-feira, abril 02, 2010

Crónica (e tema)

UMA CIDADE É DOS MELHORES
Nem todas as pessoas fazem falta a uma cidade ou a um país. A ideia de que só porque é da terra faz falta, é muito romântica e bonita, mas não corresponde à verdade.
A verdade é que há pessoas que não fazem falta nenhuma e outras a quem a cidade devia blindar o passe com uma cláusula de rescisão de muitos milhões de euros. Há pessoas que valem muitos milhões e deveriam ter cidades cheias para as verem e aplaudirem e agradecerem por terem ficado e não terem partido e não as terem deixado e não quererem ter sido maiores quando o deveriam ter feito. E deviam. Há cidades que não merecem essas pessoas, por não as terem abraçado o suficiente e olhado para ela e terem dito “Gosto de ti! Preciso de ti!”, e realmente gostarem delas e realmente precisarem delas e reconhecer a falta que estas lhe farão se um dia pensarem em ir-se embora. E dizerem “Não te vás embora!” e fazer tudo para que não fossem, que ficassem um pouco mais na cama que lá fora está frio, que nem pensar em deixar-nos, que nem pensar em ir para outro sitio, que nem sequer é bom falar sobre isso e abraça-las muito e muito.
Só que muitas cidades não o fazem e abandonam-se deixando que outros partam sem que a isso resistam. E têm que resistir como fazem as mulheres dos pescadores quando estes lhes dizem que vão para o mar em dias de tempo revoltoso. Uma cidade depende dos seus maiores valores e por inerência da sua melhor massa crítica. E uma cidade sem talentos e sem massa crítica é uma cidade morta. Há cidades mesmo com imensa gente cujo pulso não mexe. As melhores cidades são as que mais resistem à saída de novos talentos e mais, promovem a entrada e criação de novos. As melhores cidades são as que têm uma massa crítica activa e de primeira linha e não se deixam representar por uma segunda escolha ou pelos que ainda sobram. As melhores cidades não se deixam representar por imbecis só porque é o que têm.
Uma cidade, uma grande cidade, nunca é abandonada pelos melhores.

In METRO 31.03.10 por Fernando Alvim

 O Sangue da Cidade

VEM (para além de toda a solidão)